The EU Digital Green Certificate

Excelentíssimo Senhor Primeiro Ministro
Dr. António Costa

Venho pedir-lhe que reconsidere a estratégia atual do governo em relação ao Certificado Verde Digital COVID-19 que está a ser considerado (1) e propor-lhe alternativas.

Já em fevereiro mencionou o Certificado Verde (2), que descreveu como um documento não identificado que permitirá uma maior facilidade de circulação na UE ao evitar medidas de quarentena. Nessa mesma altura reconheceu a tentação para ver esse documento como um “passaporte sanitário” e pediu que se evitasse o termo. Vários protestos contra este ou mecanismos semelhantes tornam evidente que essa é uma interpretação comum. Apesar do mecanismo proposto pelo governo de Israel ser diferente, o protesto ocorrido em Tel Aviv (3) é possivelmente o mais indicativo da reação popular a um “passaporte sanitário”.

Compreendo o desejo de recuperar a atividade turística em Portugal, e livre circulação em geral, de uma forma segura. O Certificado Verde, como método, reafirma a eficácia do plano de vacinação ao mesmo tempo que evita a necessidade de uma coordenação estreita entre estados. Sem uma identificação pessoal, como mencionado, este Certificado poderia ser visto como um mecanismo de fast track, algo já popular em todos os aeroportos.

Existem, no entanto, diferenças substanciais entre o Certificado Verde e o que poderia ser um bilhete com opção para fast track. A posse do certificado não identifica apenas o acesso a um serviço mas um aspeto pessoal de saúde. O mecanismo anunciado já assume que cada certificado será pessoalmente identificado e que essa informação será partilhada para, entre outras coisas, impedir a transmissibilidade de certificados. Isto significa que os portugueses terão que escolher entre encargos onerosos, ao viajar para outro país, ou comunicar aspetos privados da saúde a terceiros com os quais não detém qualquer relação. Sendo os encargos controlados pelo país de destino é possível construir incentivos poderosos à utilização do Certificado Verde tornando a opcionalidade do esquema ilusória, do ponto de vista prático.

O sucesso, insucesso e evolução destes mecanismos são ditados por esquemas de incentivos. Uma vez introduzido o Certificado Verde, os incentivos são para a sua expansão como sistema de controlo de imigração e ferramenta para futuras pandemias. Se Certificado Verde é útil agora, dita a razão que poderá ser útil no futuro e é mais simples manter o mecanismo. Um conjunto de incentivos semelhantes levaram ao estabelecimento da norma internacional de passaportes que conhecemos e continua a ser expandida, pelo que existem precedentes. Neste contexto, a expressão “passaporte sanitário” não é apenas um rótulo pejorativo, mas uma descrição do aspeto que este mecanismo de Certificado Verde tem, para muitas pessoas, num horizonte próximo. Para além disso, a urgência da sua introdução (planeado até agosto) não permite a transparência e discussão que imperariam levando ao aumento espectável do nível de ceticismo.

A implementação deste mecanismo poderá ter repercussões políticas imprevisíveis uma vez que assenta na interpretação deste mecanismo por parte da opinião pública. Cada país é responsável pelas restrições que coloca sobre turistas e imigrantes. Do ponto de vista de Portugal é razoável argumentar que é possível aceitar turismo e imigração sem necessidade de um mecanismo como o Certificado Verde, quarentenas ou isolamentos. Este tipo de abertura pode ser alvo de críticas, mas essas críticas são locais e mais simples de endereçar tendo em conta o plano de vacinação em curso, o ano de conhecimento acumulado sobre a pandemia e a crescente tensão entre medidas restritivas e as mais variadas emergências pessoais que se acumulam.

É conhecido que a COVID-19 é uma infeção sazonal com bastante menos incidência no Verão (4). Sabe-se também que o vírus afeta de forma grave pessoas mais idosas ou com outras patologias associadas (5). Atualmente estima-se completar uma maioria do plano de vacinação até ao final do Verão. Mesmo com o atraso espectável deste plano de vacinação, a maioria das pessoas consideradas vulneráveis estarão vacinadas ou terão tido acesso a vacina. É também inegável que todos os portugueses estão cientes da pandemia e ajustaram os seus comportamentos. Existem também planos preventivos como Clean & Safe (6) que têm o apoio do governo de Portugal. Este programa, lançado em abril de 2020, foi considerado seguro para turistas e portugueses por associações de hotéis e Turismo de Portugal, pelo que não há motivo para o considerar inseguro agora.

Por tudo o indicado, seria possível comunicar a abertura segura de fronteiras terrestes e aéreas de forma compreensível ao público. Esta ação demonstraria controlo da situação, seguiria as recomendações internacionais, afirmaria direitos humanos, compromisso por valores fundamentais Europeus e seria bem recebida por vários sectores da sociedade. O Certificado Verde, mesmo não sendo necessário, pode continuar a ser discutido num horizonte temporal mais alargado aliviando a apreensão sentida por pessoas em toda a Europa.

Agradeço a atenção dispensada e espero que, com esta exposição, considere o seu posicionamento face à promoção do Certificado Verde no horizonte temporal previsto.

Sem outro assunto, despeço-me com um desejo de saúde, prosperidade e os meus sinceros cumprimentos.

Cláudio Gil
Português